Batalha de
bumerangues
Revista Veja - 23/07/2012
Líder absoluta no mercado de artigos
para esportes aquáticos, do qual detém 80% das vendas no mundo todo, a Speedo
também se tornou a marca preferencial de amadores e profissionais no Brasil.
Pois saiba: os óculos de natação de última geração que você acabou de adquirir
numa loja com o famoso logotipo em forma de bumerangue na fachada parecem ser
Speedo, mas não são. Trata-se de imitação. Praticamente tudo o que é vendido
com a marca Speedo no Brasil é fruto de um acordo não escrito para uso da marca
que uma empresa paulista, a Multisport, pôs em prática há mais de trinta anos e
que a Speedo internacional tenta reverter há pelo menos vinte. Ambas têm o
grosso de sua produção feito na China - com a diferença de que os artigos
vendidos aqui vêm dos fornecedores da Multisport, com matéria-prima encomendada
pela Multisport, sem o aval da Speedo internacional. Eles podem até ser iguais,
mas não são originais. A Speedo internacional entrou na Justiça em 2010 com
ações para coibir as cópias e obter a recuperação definitiva da marca. Trata-se
de processos em andamento, sem prazo para terminar. Pairando sobre a disputa
estão duas Olimpíadas, a de Londres. que começa no dia 27, e a do Rio de
Janeiro, em 2016 - justamente a ocasião em que as marcas esporavas mais ficam em
evidência e mais aproveitam para se mostrar. "São momentos-chave em que as
vendas aumentam cerca de 20%", explica Frederico Mandelli, gerente de
inteligência de mercado da consultoria de marketing esportivo Global Sports
Network.
A briga entre as duas Speedo é
resquício do Brasil pré-1990, quando o mercado interno era fechado a produtos
estrangeiros. Foi aí o apogeu das bebidas falsificadas e da pirataria em geral.
Como importar estava tora de cogitação, tornou-se prática corriqueira
transplantar uma marca famosa para o Brasil, registrá-la no Instituto Nacional
da Propriedade Industrial e seguir em frente com o negócio. sem impedimento
algum. A dona original da marca raramente se dava ao trabalho de inibir a ação
num mercado ainda incipiente e no qual não tinha mesmo condições de competir.
Agora que isso é possível. grandes empresas enfrentam longas batalhas para
atuar no Brasil (veja o quadro) - caso da Speedo neste momemo. "O Brasil é
o único país do mundo em que os produtos comercializados com a nossa marca não
são fabricados por nós", diz o advogado da empresa. Peter Eduardo
Siemsen.
A própria Speedo, em parte, contribuiu
para esse estado de coisas. No fim dos anos 1970, o ex-jogador de polo aquático
e empresário paulista Raul Haeker propôs à Speedo, fundada na Austrália em
1928, um contrato de representação para comercializar a marca no Brasil. Sem
assinar um acordo, a empresa aceitou facilitar a fabricação e a divulgação dos
produtos no país por intermédio de Hacker, disponibilizando desenhos originais
e campanhas de marketing. A essa altura, já era a maior empresa do ramo,
impulsionada pelo espantoso desempenho do nadador americano Mark Spitz na
Olimpíada de Munique, em 1972: ele conquistou sete medalhas de ouro e quebrou o
recorde mundial em todas as provas de que participou -- sempre usando maiôs
Speedo. Quando as restrições às importações foram relaxadas no Brasil, no
começo dos anos 1990, a empresa estava mudando de mãos: foi comprada pelo grupo
inglês Pentland. Os novos donos procuraram Hacker para retomar a marca e
assumir o fornecimento dos produtos Speedo vendidos no mercado brasileiro. As
negociações se arrastaram durante anos, sem sucesso. Hacker, inclusive, ampliou
os negócios. Em 2002, lançou uma coleção de óculos de sol e de grau e, mais
tarde, passou a vender bicicletas, raquetes e mesas de pingue-pongue e até
suplementos alimentares - tudo exclusivo da "Speedo do Brasil" (como
a empresa se denomina) e inexistente no catálogo da marca original. Em 2004,
ele abriu a primeira das quatro lojas próprias em São Paulo. todas espelhadas
na aparência das lojas-conceito da Speedo fora do país. Com faturamento anual
estimado em 350 milhões de reais, a Mulrisport rebate as acusações de
apropriação indevida. "Não podemos falar sobre os processos. que correm em
segredo de Justiça. mas a empresa sempre atuou conforme as normas éticas do
mercado. E, inclusive, patrocinadora da Confederação Brasileira de Desportos
Aquáticos", diz seu advogado, José Mauro Decoussau Machado.
Por trás da disputa está o hiperativo
mercado brasileiro de artigos esportivos, em que todo mundo está de olho. A
indústria do esporte fatura no Brasil 50 bilhões de reais por ano, e cerca de
70% desse montante vem da venda de artigos esportivos. Nos Estados Unidos. são
300 bilhões de dólares por ano, mas só 30% vêm do varejo. "O que atrai
mais ainda os investimentos no mercado brasileiro é o acesso recente das
classes C e D a esse tipo de produto", diz o consultor Fábio Wolff.
"O Brasil é um dos paises onde o mercado mais cresce no mundo. Todas as
marcas querem estar aqui", resume Mário Andrada e Silva, diretor de
comunicação na América Latina de outro gigante, a Nike. A briga como se vê, é
olímpica.
Roberto Henrique
Wolter
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